[ por Don Whitney ]
“ A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus? “ Sl 42:2
Parte 1 - Três Tipos de Sede Espiritual.
Embora não seja perceptível em todos os momentos, em um sentido existe uma sede em todas as pessoas. Deus não nos criou para estarmos contentes com nossa condição natural. Ou de uma forma ou de outra, em um grau ou outro, todos querem mais do que têm no presente momento. A diferença entre as pessoas é o tipo de anseio que possuem no fundo de suas almas.
Em se tratando de sede espiritual, podemos dizer que há pelo menos três tipos.
1.1 - Sede da alma vazia.
A pessoa não convertida possui uma alma vazia. Destituída de Deus, busca contínua e freneticamente algo para preencher seu vazio. Os objetivos desta corrida desvairada podem incluir dinheiro, sexo, poder, casas, propriedades, esportes, hobbies, entretenimento, misticismo, realização, reconhecimento e estudo; em qualquer desses, porém, está essencialmente "fazendo a vontade da carne e dos pensamentos"(Ef 2.3).
Como Agostinho afirmou: "Tu nos criaste para Ti mesmo e nossos corações vivem inquietos enquanto não acharem repouso em Ti". Sempre buscando, nunca satisfeita, a alma vazia vai de um objetivo a outro, sempre incapaz de achar algo que consiga preencher o vácuo do tamanho de Deus que existe no seu coração.
A ironia da alma vazia é que, embora seja perpetuamente insatisfeita em tantas áreas de sua vida, ela se satisfaz com tanta facilidade em relação à busca de Deus. Sua atitude para com assuntos espirituais é como o homem que disse à sua alma complacente em Lucas 12.19: "Tens em depósito muitos bens para muitos anos: descansa, come e bebe, e regala-te".
Sejam quais forem os desejos da alma vazia nesta vida, estes nada têm em comum com o que o pastor e teólogo do século dezoito, Jonathan Edwards, chamava de "desejo santo, exercitado por meio de anseios, fome e sede de Deus e de santidade", que caracteriza o verdadeiro cristão.
1.2 - Sede da alma árida.
A diferença entre a alma vazia e a alma árida é que a primeira nunca experimentou os "rios de água viva" (Jo 7.38), enquanto que a segunda já os conhece e sabe do que está sentindo falta. Isto não significa que a alma árida tenha perdido a habitação interior do Espírito Santo; de fato, como Jesus disse, "a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna" (Jo 4.14, ênfase acrescentada). Como é, então, que a alma do verdadeiro crente em Cristo se torna árida, quando Jesus prometeu que "aquele que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede, para sempre" (Jo 4.14)?
A alma do cristão pode se tornar árida em uma de três maneiras. A mais comum é quando se bebe demais das fontes dessecantes do mundo e se esquece dos "ribeiros de Deus" (Sl 65.9). Talvez o salmista tivesse bebido demais das águas espiritualmente salgadas e insalubres do mundo, pois escreveu duas vezes no mesmo capítulo sobre ansiar por Deus com todo o coração e, ao mesmo tempo, sobre sua firme resolução de não se afastar da Palavra do Senhor (ver Sl 119.10). Excessiva atenção a um determinado pecado ou pecados e falta de atenção à comunhão com Deus (duas coisas que freqüentemente ocorrem em conjunto) inevitavelmente definharão a vida espiritual do cristão.
Uma segunda causa de aridez na vida de um filho de Deus é o que os puritanos chamavam das deserções de Deus. Por razões nem sempre claras para nós, o Senhor às vezes retira a nossa consciência de sua proximidade. O melhor e mais conciso conselho que posso oferecer a cristãos que lutam com este tipo de aridez espiritual vem de William Gurnall: "O cristão precisa aprender a confiar num Deus que pode se afastar". Quando o sol se esconde atrás de uma nuvem, não está menos próximo do que quando seus raios podem ser sentidos.
Em terceiro lugar, prolongada fadiga física ou mental pode causar aridez espiritual. Tanto a causa como a cura geralmente são bastante óbvias. A pessoa pode não perceber crescimento espiritual quando passa por fadiga ou esgotamento, entretanto é possível que tenha aprendido muitas lições na batalha que causou a fadiga, as quais serão vistas como significativos marcos espirituais na sua vida quando o sol voltar a brilhar.
Indiferente da causa, a aridez na vida do cristão o faz sentir como o salmista que suspirava por Deus "como a corça pelas correntes das águas"(Sl 42.1). Quando você estiver nesta condição, nada mais além da água viva do próprio Deus o satisfará. Outras coisas podem tê-lo distraído, mas agora a única coisa que importa é voltar a ter a consciência da presença do Pai.
1.3 - Sede da alma saciada.
Pode parecer uma contradição, mas em contraste com a alma árida, a alma saciada tem sede de Deus precisamente por ter sido saciada por Ele. "Oh! Provai, e vede que o Senhor é bom" (Sl 34.8). Ao provar que o Senhor realmente é bom, o sabor foi tão singularmente satisfatório que gerou um anseio por muito mais.
O apóstolo Paulo demonstrou isto na sua famosa exclamação: "para o conhecer" (com a idéia: "oh, que eu o pudesse conhecer!" - Fp 3.10). Nas linhas anteriores, ele havia se exultado no relacionamento e conhecimento de Jesus que já tinha, dizendo que considerava tudo como refugo e perda diante da sublimidade desta experiência (vv. 7,8). No entanto, logo em seguida clama: "para o conhecer". A alma de Paulo estava saciada com Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, ainda sedenta por Ele.
Conhecer bem a Cristo satisfaz tanto a sede espiritual porque nenhuma pessoa, possessão ou experiência pode produzir nada semelhante ao prazer espiritual que temos nele. Comunhão com Cristo é algo incomparável porque não há desapontamento algum com o que se descobre nele. Além disso, a gratificação espiritual que se recebe através de conhecê-Lo inicialmente nunca acaba. E por cima de tudo isso, o Senhor em quem se encontra toda essa satisfação é um universo infinito de vida e realização, no qual se pode imergir para explorar e desfrutar sem limites. Portanto, não há nenhuma falta de satisfação em conhecer a Cristo; contudo, Deus não nos fez de tal forma que uma só experiência pudesse saciar todo futuro desejo por Ele.
Jonathan Edwards descreveu a relação entre o bem espiritual desfrutado na comunhão com Cristo e a sede por mais que isto produz da seguinte forma: "O bem espiritual é realmente capaz de nos satisfazer; quem Dele provar sentirá mais sede por Ele... e quanto mais experimentar, quanto mais conhecer de fato esta excelente, inigualável, e excelsa doçura e a satisfação que traz, com mais intensa fome e sede a buscará".
Que Deus faça com que esta oração de A. W. Tozer seja uma expressão verdadeira das nossas próprias aspirações:
“Ó Deus, tenho provado da Tua bondade, e isto tanto me tem saciado como tem aumentado minha sede. Tenho dolorosa consciência da minha necessidade por graça ainda maior. Envergonho-me da minha falta de desejo. Ó Deus, Deus Triúno, quero desejar a Ti; anseio estar cheio de anseios: tenho sede de ficar com mais sede ainda.”
Parte 2 - A Bênção da Sede Espiritual
"Bem-aventurados todos os que nele esperam" (ou "os que por ele anseiam", no original), declarou o profeta Isaías (Is 30.18). "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça", reiterou Jesus (Mt 5.6). Um intenso desejo pelo Senhor e pela sua justiça é uma bênção. Como assim?
Por exemplo, assim como você pode escolher pensamentos para colocar na sua mente, Ele também pode - e de fato coloca. Você pode decidir que vai pensar por alguns instantes sobre o que deve fazer esta noite; da mesma forma, ele pode plantar pensamentos sobre Deus e as coisas de Deus. Esta ação faz parte do processo que ele usa para levar um cristão a se "inclinar para o Espírito" (Rm 8.5).
1. Deus inicia a sede espiritual
A razão de alguém ter sede por Deus é que o Espírito Santo está agindo dentro dele. Se você é um cristão, duas pessoas vivem no seu corpo: você e o Espírito Santo. Como o apóstolo Paulo explicou:
"Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?" (1 Co 6.19). E o Espírito Santo não está passivo no seu interior.
Outra parte da ação Dele é levar você a ter sede de Deus e anseios (como "Aba, Pai", ver Romanos 8.15), assim como outros sinais de vitalidade espiritual.
Charles Spurgeon, o singular pregador batista britânico do século XIX, descreveu assim a bênção da sede: Quando alguém suspira por Deus, é fruto de uma vida secreta no seu interior: ele não suspiraria muito tempo por Deus por sua própria natureza. Ninguém tem sede por Deus enquanto ainda estiver no seu estado carnal (ou seja, não convertido). A pessoa não regenerada suspira por qualquer coisa antes de suspirar por Deus. É prova da natureza renovada ter um anseio por Deus; é uma obra de graça na sua alma e você deve ser profundamente agradecido por isso.
2. Deus coloca sede espiritual a fim de poder saciá-la
Deus não acende o fogo do desejo por Ele a fim de nos frustrar ou para zombar de nós. Ele mesmo declarou: "Não disse à descendência de Jacó: Buscai-me em vão" (Is 45.19). O que se aplica à linhagem natural de Jacó (Israel) é válido também para seus descendentes espirituais - aqueles que crêem no Messias de Israel, Jesus.
Deus gera sede no homem por Ele a fim de poder saciá-la com sua própria vida. "Pois dessedentou a alma sequiosa" é a promessa de Salmo 107.9, "e fartou de bens a alma faminta". Jesus garante que são "bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos" (Mt 5.6, ênfase acrescentada).
Jonathan Edwards argumentava que, de acordo com as Escrituras, "os tementes a Deus são destinados a experimentar felicidade inconcebível e além do conhecimento humano". E acrescentava: "Sem dúvida, Deus alcançará seu objetivo em gloriosa perfeição". Se Deus, de fato, nos criou para fluirmos de inimaginável plenitude de alegria, e plantou em nós o anseio para a alcançarmos, então certamente também "fez o homem capaz de experimentar este imensurável e sublime êxtase espiritual... Deduzimos que o homem foi designado para uma maravilhosa bem-aventurança, já que Deus o criou com anseios e desejos que não podem ser satisfeitos com nada menos que uma felicidade muito grande... Um desejo que não pudesse ser satisfeito seria um eterno tormento."
Edwards defendia, obviamente, que estes "anseios e desejos" eram evidências de sede por Deus, um anseio que só pode ser completa e finalmente saciado no desfrutar eterno e ilimitado de comunhão face a face com o próprio Senhor na vida celestial.
Ao contemplar Sua glória, os regenerados testificarão que estão abundantemente saciados com a plenitude da Casa do Senhor e que da "torrente das suas delícias" Ele lhes dá de beber (Sl 36.8).
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